“Vitória – O Parto

10.07.2017
40 semanas e 3 dias. Era 1h da manhã quando começaram as primeiras contrações com intervalos mais regulares.
Tinha sido um dia giro, diferente – em que me permiti a relaxar e a fazer só o que me apetecia, sem olhar para o trabalho e para qualquer obrigação. De manhã, acordei e despachei umas coisas em casa, fui fazer umas últimas compras (actividade regular a partir das 38 semanas em que a iminência do parto é uma constante), fui à MAC onde uma senhora muito querida acabou por me maquilhar e, a meio da tarde, fui ter com a Márcia – a minha querida Doula. Fez-me uma massagem incrível e super relaxante (que, na verdade, desejei durante a gravidez inteira mas, por incrível que pareça, há sempre – ou pelo menos, para mim houve – um milhão de coisas para fazer e gerir antes da chegada de um bebé), conversámos muito e acabámos num lanche-ajantarado na praia de carcavelos.

Estava um fim de dia lindo – não propriamente solarengo, mas uma fusão muito bonita entre o sol e as nuvens cinzentas. Acho, até, que acabou por chuviscar. A Márcia ia de férias para a Tailândia dia 11 e estávamos a dia 9. A data prevista para o parto era 5 de Julho e o limite que o meu obstetra tinha estabelecido como seguro era dia 15. Ela falou-me deste plano logo que nos conhecemos, mas nunca senti que fosse um entrave. No entanto, com a data a aproximar-se era importante haver uma doula back up que me pudesse acompanhar.
Depois fui ter a casa da Marta e da Rita, petisquei qualquer coisa com elas mais uns amigos até que, a dada altura senti que era hora de voltar para casa. Tinha sentido uma contração um pouco mais evidente do que aquelas que andava a sentir há já uns dias (se bem que ainda com uma hora de intervalo entre elas).

​Já em casa, noite de lua cheia, sento-me no sofá a ouvir música, e começo a sentir contrações mais regulares. É estranho perceber se está na hora ou não quando somos mães de primeira viagem. Entretanto, a minha querida amiga-irmã Flávia (com quem não passo muito tempo fisicamente, mas com quem o meu espírito se encontra muitas vezes) envia-me uma música linda sobre o parto em noite de lua cheia – não falávamos há vários dias e ela enviou a música sem perceber o contexto. Foi um dos sinais mais bonitos que podia ter tido.
Decido ligar à Márcia a dar o primeiro alarme e a perguntar se acharia que podia estar na hora e combinámos falar um pouco mais tarde. Durou meia hora a espera. Estava sozinha em casa e queria ter a certeza de que nunca ficaria desconfortável em fase nenhuma. Entre as duas e as três da manhã, chegou a Márcia e a minha mãe. As mulheres mais bonitas e incríveis que podia ter ao meu lado no dia mais mágico de todos. Já explico a parte da magia mais à frente.

Passámos a noite juntas, ao som de Bonobo, em que o ritmo das contrações fugia muito ao padrão e era difícil de perceber se estava a avançar ou não. Por volta das sete da manhã decidimos ir tomar o pequeno almoço e dar uma volta ao quarteirão para tentar acelerar. Mas como sempre habituei a Vitória a muito exercício, ela queria ainda mais.

Depois de mais umas horas em casa, pedi para irmos passear à Ribeira das Naus, ver o rio, apanhar o sol da manhã e encontrar um lugar bonito para um brunch. Andámos, andámos (no meio de contrações e do parto mais improvável do mundo) – elas sempre com a maior paciência e amor do universo, até que chegámos ao rooftop to Hotel do Chiado e nos sentámos com uma das melhores vistas sobre Lisboa. Foi aí que percebi o meu corpo a anunciar a chegada da Vitória. Barriga muito descaída, lábios e cara inchada e contrações cada vez mais fortes.

Voltamos para casa, onde deixámos avançar um pouco mais. Sem a Márcia era impossível passar de forma tão tranquila e segura por cada contração. Ajudava-me a passar por cada uma delas com massagens e respirações. Sentia-a quase como uma extensão de mim, como a coragem que eu precisava que me dessem a conhecer – que embora já existisse dentro de mim (e de todas as mulheres), foi ela que me fez crer nela. Por outro lado, a presença da minha mãe, irmã e melhor amiga, também ela virgem neste processo de parto natural, foi imprescindível. Se a conhecessem, percebiam que a energia dela transborda de força. E ver a mulher que mais admiro, sentir, também ela, admiração por mim, é dos maiores boosts de confiança e amor que poderia querer ter ao meu lado.

Pelas cinco da tarde sentimos que seria boa ideia ir para o hospital. Queríamos ir numa fase suficientemente avançada embora ainda confortável para andar de carro e passar pelo processo de admissão no hospital.

Lá chegámos e demorou uma eternidade para que fosse atendida. O que tem a sua graça – tendo em conta que estava em trabalho de parto num hospital privado. Não menos hilariante foi o primeiro contacto com a enfermeira. É curioso perceber a falta de conhecimento de profissionais da saúde em relação ao papel de uma doula – pior, o preconceito. Mas preferi sempre ver tudo isto com humor (as hormonas são incríveis e ajudaram muito, aqui). Também pensaram que eramos namoradas e que a Márcia, de alguma forma, estaria a influenciar as minhas decisões. O que também tem piada – porque o papel dela foi sempre – ao longo dos nossos vários encontros durante a gravidez e durante o parto – dar-me toda a informação para eu ser o mais livre e feliz possível nas minhas escolhas. Seguimos para o CTG e depois toque com a obstetra de banco (que ainda tentou desviar o plano de parto e impingir a administração da epidural) mas tentei sempre ser a minha versão mais calma e grata. Estava com 5cm de dilatação.

Estivémos muitas horas à espera que a dilatação evoluísse mas parecia estar estagnada nos 6cm. O meu médico só viria quando eu estivesse a ir para o bloco para eu não sentir qualquer tipo de pressão, portanto acabei por ser examinada por uma médica que tornou tudo isto muito mais interessante. Cara fechada, um jeito bruto e insistente na administração de oxitocina. Confesso que, a dada altura me senti desnorteada e à beira de ficar sem forças. Mas depois de uma conversa ao telefone com o meu querido obstetra Pedro Martins, decidimos que rebentar as águas seria a melhor solução para eu conseguir poupar energias para o resto do trabalho de parto. A Márcia e a minha mãe, sempre serenas, e confiantes em qualquer que fosse a minha decisão.

Assim foi. Depois disso até ao bloco foi um ápice. O tempo voou no meio de contrações muito intensas. A Márcia – também já ela de rastos – não me largou um segundo. Quando fui para o bloco devo ter ficado uns 20 minutos sozinha (até hoje não percebemos porque não a deixaram entrar logo) onde estive com a parteira – a quem parecia estar a fazer o maior favor do mundo. Ainda assim, tentei manter a minha intenção de gratidão pela presença dela naquele momento (e, no final, valeu a pena).

Finalmente com a Márcia, vivemos um dos momentos mais bonitos. Estávamos só as duas, a fazer força e a deixar que a Vitória viesse a pouco e pouco. A Márcia foi a primeira a vê-la (uau!). Quando eu já não aguentava mais, chamámos o médico e foi tudo muito rápido. O corpo parece que não resiste àquele anel de fogo que é o bebé a sair dentro de nós. Foi o momento mais poderoso da minha vida. Nunca vou perder a imagem mental da primeira vez que vi a minha filha e do que senti: que depois daquilo, era capaz de tudo. A magia de que falei há pouco não tem que ver com o que idealizamos, mas com o poder de que nos apercebemos que temos enquanto mulheres e com a fé que depositamos e descobrimos nesta hora.

Não posso deixar de dizer que, no final, a parteira se emocionou. Ninguém naquele bloco de partos, para além de mim e da Márcia, acreditava que eu seria realmente capaz. Foi uma madrugada emocionante para todos os que lá estavam. Pelo menos, assim o descreveram.

A Márcia é das pessoas mais marcantes na minha existência e agradeço sempre muito pelos nossos caminhos se terem cruzado. Desde o momento em que a conheci, houve um match emocional, ideológico e espiritual grande mas nunca pensei que fosse tão orgânico e natural. Foi muito mais do que algum dia imaginei e podia pedir. Da mesma forma que desejo ter mais filhos, peço muito que possa ter a Márcia por perto novamente.

A Márcia descomplicou e desmistificou tudo o que se diz sobre este momento. Mostrou-me como é tudo tão natural e possível. Como é importante ouvirmos o nosso coração e percebermos o que é melhor para nós. O que nos faz sentir seguras. E que não faz mal mudar de ideias. Caminhar com ela é um processo muito livre e informado. E, sobretudo, cheio de muito amor.

Muito obrigada, minha querida Márcia, por me teres mostrado tantas coisas bonitas. Por teres acreditado em mim até ao fim. Por nunca largares a minha mão. Sou-te eternamente grata.

Com muito amor,
Inês”

 

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